Nesta cápsula analisamos o conceito marxista de Divisão Internacional do Trabalho (DIT) teorizado entre outros polos grandes clássicos Marx, Engels ou Lenin, e contrastamos com o conceito burguês de Geopolítica. Dámos razões filosóficas e políticas de porqué é que consideramos preferível e fundamental utilizar o termo marxista DIT em lugar de Geopolítica.
A Divisão Internacional do Trabalho (DIT) é a forma na que no capitalismo, os diferentes países e regiões se especializam na produção de determinados bens e serviços, de acordo com as suas condições históricas, recursos naturais e posição na economia global. Essa especialização não é neutra, mas estruturada polas relações de poder e exploração do capitalismo global. Desde o marxismo, entendem-se a DIT como uma consequência direta do imperialismo, da colonização e da exploração de classe e nação.
Por outro lado, temos o termo geopolítica, que é o amplamente usado em textos e contextos burgueses, e busca descrever as relações de poder entre estados-nação com base em fatores geográficos, econômicos e estratégicos. No entanto, este conceito frequentemente abstrai ou ignora as dinâmicas econômicas de exploração capitalista e a luita de classes, focando em rivalidades interestatais sem considerar o papel das forças produtivas e das relações de produção.
Porque consideramos que Divisão Internacional do Trabalho é o termo marxista equivalente ao termo burguês “geopolítica” e consideramos preferível o uso do primeiro?
Ambos termos descrevem a organização global do poder e da produção, porém:
- enquanto a geopolítica burguesa enxerga o mundo como um tabuleiro de competição entre estados,
- a DIT analisa essa mesma realidade (a organização global do poder a produção) com base nas relações de produção e exploração capitalista, revelando o papel do imperialismo e da divisão entre países centrais e periféricos.
A DIT fornece uma análise materialista. O conceito de DIT parte da base econômica e das relações de classe para explicar o desenvolvimento desigual entre nações. A DIT foca a questão na estrutura, na económica.
A geopolítica frequentemente se concentra nas “superestruturas” (diplomacia, estratégia militar, etc.) sem abordar as bases materiais que as sustentam.
Analisemos as razões filosóficas, econômicas e teóricas para preferir “DIT” a “geopolítica”:
As razões filosóficas: materialismo histórico e dialético
O marxismo defende que o mundo está determinado, em última instância, polas condições materiais de produção. A DIT reflete a organização concreta do capitalismo global, enquanto a geopolítica abstrai os fatores econômicos e adota uma visão idealista ao tratar os estados como atores independentes de sua base material.
A geopolítica está frequentemente vinculada a uma visão mecanicista e estática do poder estatal, enquanto a DIT permite uma compreensão dialética, mostrando como o imperialismo reconfigura constantemente a exploração global.
As razões econômicas: o papel do imperialismo
A DIT enfatiza que o sistema capitalista global está estruturado e determinado pola exploração de nações periféricas por parte de nações centrais. Esta estrutura não é um simples “acaso geográfico”, mas o resultado histórico de práticas coloniais, neocoloniais e da lógica de acumulação de capital.
Denominamos forças produtivas aos meios de produção (tecnologia, infraestrutura, recursos naturais) e o trabalho humano. O capitalismo avança de forma desigual, através desta Divisão Internacional do Trabalho (DIT), produz-se um desenvolvimento desigual: promove-se a alta concentração tecnológica e industrial nos países centrais, enquanto os países periféricos permanecem relegados à exportação de matérias-primas ou mão de obra barata e não se fecham os ciclos produtivos no próprio país.
A DIT é o reflexo direto do desenvolvimento desigual, as forças produtivas avançadas nos centros capitalistas dependem da exploração de condições menos desenvolvidas na periferia. Por exemplo, a produção de bens industriais na Alemanha ou nos EUA depende de minerais extraídos em condições precárias na África ou na América Latina.
Focar a análise nas forças produtivas, como fazemos utilizando o conceito de DIT, permite entender que a desigualdade global não é uma questão natural (como a geopolítica muitas vezes implica), mas sim o resultado de um sistema capitalista que explora diferencialmente regiões com diferentes níveis de desenvolvimento.
A geopolítica tende a naturalizar a desigualdade global, tratando-a como uma questão de “recursos naturais” ou “localização estratégica”. A DIT, em contraste, revela as raízes econômicas dessas desigualdades.
A geopolítica foca nos estados como atores centrais, enquanto a análise da DIT destaca que a exploração atravessa fronteiras nacionais.
Falarmos de DIT desvela mais claramente que é a classe capitalista global que organiza a exploração dos trabalhadores do sul global em benefício do norte global. Este enfoque revela que a organização do mundo é uma extensão da luta de classes em escala internacional, desmascarando a geopolítica como uma narrativa que invisibiliza a exploração capitalista.
As razões teóricas: a coerência marxista
O marxismo, desde os grandes clássicos, Marx, Engels ou Lenin, utilizam a DIT para conectar o nível local e o global, mostrando como as relações de produção capitalistas estruturam a exploração entre países. Isso é central para teorias como a de Lenin sobre o imperialismo, que explica como a acumulação de capital nos países centrais depende da exploração das colônias e semicolônias.
A geopolítica não oferece ferramentas para analisar o capitalismo como um sistema global e historicamente determinado. Ela fragmenta a análise, tratando os estados-nação como unidades isoladas, em vez de integrá-los numa totalidade capitalista.
Isto entronca com dous princípios fundamentais da dialética materialista: os conhecidos como a Concatenação ou conexão Universal dos Fenómenos, e a ação recíproca entre eles. Vejamos como o define Stalin em Questões do Leninismo:
“Ao contrário da metafísica, a dialética não considera a natureza como um conglomerado casual de objetos e fenómenos, desligados e isolados uns dos outros e sem qualquer relação de dependência entre eles, mas como um todo articulado e único, em que os objetos e os fenómenos são organicamente ligados entre si, dependem uns dos outros e condicionam-se mutuamente. Por isso, o método dialético entende que nenhum fenómeno da natureza pode ser compreendido se for abordado isoladamente, sem ligação com os fenómenos que o rodeiam, pois qualquer fenómeno, retirado de qualquer campo da natureza, pode tornar-se absurdo, se for examinado sem ligação com as condições que o rodeiam, desligado delas; e, polo contrário, todo o fenómeno pode ser compreendido e explicado se for examinado na sua ligação indissolúvel com os fenómenos circundantes e condicionado por eles.” (Stalin, “Sobre o materialismo dialético…”, em Questões do Leninismo, p. 636, ed. espanhola, Moscovo, 1941).
Esta concepção dialética da natureza e da sociedade é diametralmente oposta ao ponto de vista metafísico que considera os fenómenos separados da sua concatenação e para o qual a natureza não é mais do que uma aglomeração caótica de factos acidentais. A filosofia burguesa nega deliberadamente a ligação e o determinismo objetivo dos fenómenos, e defende assim os interesses das classes exploradoras no poder. Ao impedir ou dificultar a sua compreensão completa, nega-lhe aos trabalhadores a possibilidade de transformar a realidade, pois o que não se compreende ou não tem uma explicação completa e racional, não pode ser transformado.
O termo Divisão Internacional do Trabalho oferece uma análise concreta, materialista e historicamente fundamentada das relações globais sob o capitalismo, enquanto geopolítica frequentemente opera como uma abstração ideológica que oculta as raízes da exploração e desigualdade. Portanto, desde uma perspetiva marxista entendemos preferível usar o conceito de DIT para compreender e criticar a organização global capitalista.
Focar nas forças produtivas e nas relações de produção através do conceito Divisão Internacional do Trabalho permite:
Evitar idealismos e abstrações: A geopolítica, ao ignorar os fundamentos econômicos das rivalidades entre estados, oferece uma visão idealista das relações internacionais. A análise marxista, em contraste, revela como essas rivalidades são determinadas polo modo de produção capitalista.
Conectar a teoria à prática revolucionária: Reconhecer que a DIT é uma manifestação das relações capitalistas de produção permite identificar o verdadeiro inimigo: o sistema capitalista global, e não apenas estados-nação isolados.
Entender a dinâmica histórica: O capitalismo transforma constantemente as forças produtivas e as relações de produção, reestruturando a DIT em função das necessidades de acumulação. Por exemplo, o atual deslocamento de indústrias do ocidente para a Ásia é resultado da busca de capital por mão de obra barata, e não de uma “rivalidade geopolítica”.
Conclusão
Focarmos nas forças produtivas e relações de produção ilumina as causas estruturais da desigualdade global expressas na Divisão Internacional do Trabalho. Para os marxistas, isso é essencial, pois a luta contra o imperialismo e a exploração não pode ser travada com base em categorias superficiais ou idealistas, mas sim em uma compreensão materialista e histórica da realidade.