REFUTANDO DUAS FALÁCIAS: A DE QUE CAPITALISMO E SOCIALISMO VIOLAM AMBOS A SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA e A DE QUE APENAS É O SOCIALISMO O QUE O FAI.
Nesta cápsula, refutaremos dous tipos de argumentações falazes: a primeira, que apresenta tanto o capitalismo quanto o socialismo como sistemas que criam ordem, contrariando a segunda lei da termodinâmica e, portanto, propensos a colapsar; e a segunda, a que vê o socialismo como o criador de ordem, sugerindo que seria difícil de sustentar ao longo do tempo.
Existe uma argumentação, possivelmente um derivado da tese burguesa dos “dous diabos” (“nem capitalismo, nem socialismo”), que sugere que ambos os sistemas violam a segunda lei da termodinâmica. Essa visão sustenta que, ao criarem ordem, capitalismo e socialismo contrariam a tendência natural ao aumento da entropia. Consequentemente, o cumprimento dessa lei tenderia a desestabilizar e derrubar ambos os sistemas, ou qualquer estrutura organizativa ou neguentrópica1.
Dous são os erros fundamentais desta teoria. Em primeiro lugar, que não compreende a diferença entre sistema isolado e sistema aberto, diferença que estudamos no artigo Socialismo e Termodinâmica (I). Esta teoria razoa como se a terra fosse um sistema isolado, não tem presente que o planeta terra é um sistema aberto porque a terra recebe o fluxo de energia solar e tende a degradar o gradiente solar. Lembremos que o gradiente solar entre a Terra e o espaço é a diferença na intensidade da energia solar recebida pola Terra e a energia refletida ou emitida de volta ao espaço.
E em segundo lugar tampouco diferencia entre entropia local e global (universal).
No artigo Socialismo e Termodinâmica (I), vimos também que é possível reduzir a entropia local ao custo de aumentar a entropia total (universal). A eficiência desempenha um papel crucial nesse processo. Nesse sentido, o socialismo se mostra mais eficiente a longo prazo, como se provou no razoamento apresentado nesse primeiro artigo, que recomendamos reler para uma maior compreensão.
Vamos esclarecer essa unidade de contrários entre entropia local e entropia total de forma mais clara, assim como o conceito de neguentropia:
A entropia local refere-se à entropia dentro de um sistema específico, como um organismo ou uma organização econômica. Dentro de um sistema específico, como um sistema organizativo social-político-económico (socialismo ou capitalismo) ou um sistema biológico (como a vida), pode parecer que a entropia está diminuindo, e isso acontece porque esses sistemas criam ordem e complexidade, organizando o que antes era desordenado. Esta direção da desordem à ordem é um processo neguentrópico, tal e como o nomeou Erwin Schrödinger.
A entropia total refere-se à entropia do universo como um todo. Os sistemas abertos, ou seja, aqueles que trocam energia e matéria com o ambiente, dependem de fontes externas de energia, como a energia solar, para gerar ordem localmente. No processo de absorver, transformar e dissipar essa energia, esses sistemas contribuem inevitavelmente a um aumento geral da entropia no universo.
Assim, a aparente redução de entropia dentro de um sistema aberto é compensada por um aumento ainda maior na entropia total, de conformidade com a segunda lei da termodinâmica.
A neguentropia é a redução da desordem em um sistema, ou seja, o aumento da ordem e organização. Representa a capacidade de um sistema local de “contrariar” a tendência natural ao caos, gerando organização e complexidade. Por exemplo, um organismo vivo consome energia para manter as suas funções vitais, criar estrutura organizada e resistir à degradação. Como seres humanos, por exemplo, os nossos processos vitais e metabólicos representam uma luita constante para evitar a nossa morte, pois se nos mantemos sem alimento ou respiração a tendência é a aumentar a entropia, ao equilíbrio termodinâmico, em definitiva à nossa morte! No entanto, é fundamental lembrar que esses processos neguentrópicos dependem de uma troca com o ambiente externo. Embora criem ordem localmente, eles inevitavelmente geram maior desordem (aumento de entropia) no ambiente como um todo, preservando o princípio de que a entropia total do universo sempre aumenta. Assim, a neguentropia é uma característica local e temporal.
Vejamos exemplos e aplicações.
Em sistemas biológicos: As plantas utilizam a energia solar para realizar a fotossíntese, criando biomassa e liberando oxigênio. Embora isso crie ordem (biomassa), o processo em si gera calor e outras formas de energia dissipativa, aumentando a entropia total.
Em sistemas econômicos:
Capitalismo: A indústria transforma energia, direta ou indiretamente (como a solar), para produzir bens e serviços, gerando ordem em forma de produtos e infraestrutura (baixa entropia local). No entanto, esse processo também cria calor, resíduos e poluição, contribuindo para o aumento da entropia total.
Socialismo: Assim como no capitalismo, o socialismo utiliza energia para criar ordem e organização, estruturando economias, produzindo bens e mantendo a complexidade social (baixa entropia local). Além disso, os sistemas socialistas podem priorizar uma maior eficiência e sustentabilidade no uso de energia, reduzindo desperdícios. Porém, mesmo com gestão otimizada, o uso de energia inevitavelmente também aumenta a entropia total.
De forma geral, qualquer sistema que cria ordem — seja econômico, biológico ou organizativo — aparenta reduzir a entropia localmente, mas ao transformar e utilizar energia, esses sistemas inevitavelmente aumentam a entropia total do universo, conforme prevê a segunda lei da termodinâmica.
Avancemos agora analisando o conceito de taxa de entropia:
A taxa de entropia é a velocidade com que a entropia de um sistema ou do universo aumenta ao longo do tempo. No contexto de sistemas organizativos e biológicos, é útil entendermos como a energia é convertida e como a entropia resultante é gerida. Num sistema aberto, a taxa de entropia considera tanto as contribuições internas (processos dentro do sistema) como as externas (trocas de energia e matéria com o ambiente).
A diferença entre a diminuição da entropia local e o aumento da entropia total do universo pode ser vista como a eficiência com que um sistema utiliza energia. Os sistemas mais eficientes podem criar mais ordem (menor entropia local) com menos desperdício, mas ainda assim, o aumento da entropia total do universo é inevitável.
Em termos práticos, a taxa de entropia global é menor para os sistemas mais eficientes, mesmo que a entropia local diminua significativamente.
Nos sistemas biológicos, por exemplo as plantas durante a fotossíntese, estas convertem energia solar em biomassa, criando ordem. A taxa de entropia local (dentro da planta) pode diminuir, mas a taxa de entropia global aumenta devido ao calor liberado e outros processos dissipativos.
Nos sistemas econômicos:
Indústria Capitalista: Uma fábrica usa energia para produzir bens. A criação desses bens representa uma diminuição local da entropia, mas a taxa de entropia global aumenta devido ao calor, resíduos e poluição gerados nos processos de fabricação.
Gestão Socialista: Um sistema socialista pode otimizar o uso de energia, criando a mesma quantidade de bens com menos desperdício. Embora a taxa de aumento da entropia global ainda esteja presente, ela pode ser menor comparada a um sistema capitalista menos eficiente.
Os sistemas que utilizam energia de forma mais eficiente geram menos desperdício e, portanto, podem reduzir a taxa de aumento da entropia global. Isso não significa que a entropia global diminui, mas que o aumento é mais controlado.
A sustentabilidade de um sistema pode ser avaliada pola sua capacidade de minimizar o aumento da entropia global, utilizando energia e recursos de forma eficiente e com menor impacto ambiental.
A Segunda Lei da Termodinâmica apresenta uma preferência pola eficiência, que se mostra por estes três critérios:
A prolongação da viabilidade: A eficiência energética e a sustentabilidade prolongam a viabilidade dos sistemas vivos e organizativos, permitindo que eles continuem a dissipar energia solar eficientemente durante mais tempo.
É beneficioso para a entropia global: Mantendo esses sistemas operativos e saudáveis, a entropia global aumenta de maneira sustentável e contínua. Isso está em conformidade com a segunda lei da termodinâmica, que dita que a entropia deve aumentar, mas não especifica que deve aumentar rapidamente.
Evita-se a destruição prematura da vida e civilização, o qual é crucial para manter a capacidade da Terra de dissipar energia solar de forma eficiente. Um colapso ambiental ou civilizacional reduziria essa capacidade, contrariando a tendência natural de dissipação de gradientes de energia.
Portanto, a preferência pola eficiência sobre a rapidez na produção de entropia global não só promove a sustentabilidade e a continuidade da vida e civilização, mas também se alinha com a segunda lei da termodinâmica, garantindo que o gradiente solar seja dissipado de forma eficaz ao longo do tempo.
Vamos por fim ao miolo do assunto e da segunda falácia indicada ao começo: o argumento de que o capitalismo seria “mais natural” por ser “mais entrópico”, seguindo a segunda lei da termodinâmica, contém equívocos e erros importantes:
Primeiro, a segunda lei refere-se principalmente a sistemas isolados, nos quais a entropia tende inevitavelmente a aumentar até atingir o equilíbrio. No entanto, os sistemas abertos, como as economias, também estão sujeitos à segunda lei, mas de maneira diferente. Nos sistemas abertos, a entropia pode diminuir localmente — como no caso da criação de ordem ou complexidade — sempre que isso seja compensado por um aumento maior da entropia no ambiente, preservando o aumento da entropia total.
Portanto, embora a termodinâmica se aplique a sistemas físicos, compará-la diretamente a fenômenos econômicos é inadequado. As economias são sistemas abertos, altamente influenciados por fatores humanos, sociais e culturais, que não seguem as leis físicas de maneira estrita. Assim, justificar fenômenos econômicos com base na termodinâmica é um uso impreciso do conceito.
Além disso, a entropia no capitalismo não é constantemente maximizada. O capitalismo passa por ciclos de crise e recuperação, onde as crises aumentam a desordem, mas políticas e instituições intervêm para restaurar a ordem. Se fosse regido pola segunda lei, esperaríamos um colapso irreversível, o que não acontece.
Outra falha é ignorar o papel da intervenção humana. Tanto no socialismo como no capitalismo, os governos e as instituições regulam e planejam a economia, limitando a desordem e modulando a entropia. As economias não funcionam de maneira automática, mas por decisões conscientes.
Além disso, economias socialistas como Cuba e a União Soviética operaram por décadas sem “desviarem-se” automaticamente para o capitalismo. A transição, quando ocorre, depende de decisões políticas e não de um princípio físico de entropia.
Finalmente, o argumento de que o capitalismo é “mais natural” por ser mais entrópico confunde naturalidade com superioridade. O que é “natural” não é necessariamente mais eficiente ou justo. As economias são construções humanas, guiadas por valores e não por leis inevitáveis da física.
Assim, o capitalismo não é mais natural ou inevitável, e a entropia não determina que os sistemas socialistas colapsem automaticamente em direção ao capitalismo.
Em conclusão, discordamos radicalmente da ideia de que o socialismo, por ser mais planificado e menos entrópico, “iria contra a segunda lei da termodinâmica” e, portanto, afirmar que tende a desviar-se para formas capitalistas e individualistas, de livre mercado, não é uma conclusão válida.
RESUMAMOS FINALMENTE AS IDEIAS QUE SUSTENTAM AS NOSSAS CONCLUSÕES:
1. A segunda lei da termodinâmica aplica-se a sistemas físicos fechados, onde a energia e a desordem aumentam com o tempo. As economias são sistemas sociais abertos, fortemente influenciados por decisões políticas, cultura, valores e intervenções externas. Elas não seguem automaticamente as mesmas regras da física.
2. As economias são moduladas pola intervenção humana. Tanto o capitalismo como o socialismo são moldados por escolhas conscientes, regulação e coordenação, não por uma tendência “natural” rumo à desordem. A complexidade de um sistema planificado não implica que vai colapsar ou desviar-se para o capitalismo.
3. Socialismo e capitalismo podem coabitar com diferentes graus de maior ou menor liberdade econômica. Países como as social-democracias nórdicas europeias, misturam alguns elementos de planificação socialista com os fundamentos do livre mercado, e países com economias planificadas socialistas, como a da República Popular da China, utilizam o mercado livre até certos margens, mostrando que os sistemas podem ser híbridos sem uma tendência inevitável ao capitalismo puro. Este carácter híbrido, visto polos burgueses de forma idealista, não é mais do que a unidade e luita de contrários desde a nossa perspetiva do materialismo dialético e histórico.
4. A criação dos sistemas econômicos é uma escolha humana, e a “entropia” econômica não funciona como na termodinâmica. As economias podem ser organizadas de maneiras diferentes, com sucesso, sem que isso contradiga uma “lei natural” de entropia.
Portanto, e em definitiva, o socialismo não está destinado a desviar-se para o capitalismo por razões entrópicas, pois as economias são guiadas por políticas e instituições humanas, e não diretamente por leis físicas como a segunda lei da termodinâmica.
O erro argumentativo seria, portanto, usar a segunda lei da termodinâmica de forma simplista para justificar os possíveis processos de “desvio”, sem considerar adequadamente as complexidades das interações sociais, econômicas e políticas nos sistemas abertos.
- Neguentropia é o processo de redução da entropia em um sistema local, ou seja, a criação de ordem, organização ou complexidade, geralmente à custa dum aumento maior de entropia no ambiente externo. É essencial em sistemas vivos e organizativos que utilizam energia para manter a sua energia e funcionalidade. [Este conceito de Neguentropia encontra-se mais detalhadamente explicado no corpo do artigo] ↩︎
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