Nesta crítica analisamos desde a óptica marxista a mini-série coreana The 8 Show (2024) colocando o foco na dialética revolução vs. contrarrevolução, a dialética de classes e a necessidade de um novo ser humano, elementos que a série é capaz de refletir de forma bem precisa.
Uma excelente alegoria da sociedade capitalista e da luita de classes a que nos apresenta o coreano Han Jae-rim. Na série vemos como os comportamentos e as ideias de cada uma das 8 personagens são absolutamente determinados polas condições materiais a que acederam num misterioso concurso. A série revela à perfeição várias das inexoráveis leis tendenciais que governam o capitalismo, e que vamos detalhar a seguir, e anunciamos spoiler, recomendando previamente o seu visionado.
Vamos analisar as premissas e regras do jogo com a ajuda das personagens da série:
O acesso a cada piso é por acaso, cada personagem escolhe simplesmente uma carta, e este é o resumo metafórico do acesso à riqueza na sociedade capitalista onde vigora o direito à herança: se alguém nasce num berço rico (se o acaso lhe der a carta certa) será rico, e as regras do jogo favorecem em progressão geométrica a multiplicação da sua riqueza e, portanto, do seu poder sobre os outros. A carta (o direito à herança) nega o factor do mérito pessoal, a meritocracia, como razão fundamental para o ascenso social.
Uma vez posto em movimento o jogo, operam necessariamente as leis tendenciais do capital e da dialética de classe que vemos no nosso dia a dia. Por um lado, o da concentração da riqueza, magnificamente expressado através da sequência de Fibonacci que atribui a progressão dos lucros de cada piso.
Por outro lado, uma vez iniciado o jogo, tal como no capitalismo, a distribuição desigual do excedente cria duas classes concorrentes. Todos os jogadores, proletários (de 1 a 5) e burgueses (de 6 a 8) estão subsumidos nesta lógica e são peças que não têm o controlo do movimento do jogo, de facto demoram em descobrir o seu funcionamento básico, são vítimas de mecanismos e forças que mal conseguem controlar, apenas se adaptam ao seu movimento.
Logo se percebe que uma classe pode dominar e explorar a outra, pondo-os a trabalhar para aumentar o tempo. E como o fam? Através da força e da violência. A força motriz da história é a luta de classes. A 8 (a mais rica) depende do 6 (o fascismo), a força mais bruta e reacionária, para assegurar a sua posição e colocá-los ao seu serviço. Para isso, não têm reparo em trucar o jogo (democracia liberal), que se apresenta como neutro e imparcial (trucam as bolas) e fam-no com a ajuda da menina 4, a fura-greve, a trabalhadora de direita alienada que ajuda a classe opressora. Quando a armadilha é descoberta, o fascismo quebra as regras, a aparente democracia cai e exerce mais violência (ditadura).
O 7 assume o papel do burguês intelectual, personagem chave, tem uma certa consciência, mas a sua condição de classe não lhe permite deixar de agir como burguês e ele se expressa de forma vacilante, como a social-democracia, oportunista em favor dos trabalhadores, quando conseguem aceder ao poder (adverte-os sobre a arma defeituosa), mas traindo 3 e votando contra eles quando os ricos exercem o poder através da violência, desempenhando o papel dum burguês violento mais.
A dialética da luita de classes resolve-se com uma síntese superadora, é uma das leis da história: contra o poder violento da burguesia (6,7 e 8 ajudada por 4) só a Revolução funciona, também através da violência (ou há ditadura burguesa ou há ditadura do proletariado, é uma luta de contrários). E com a tomada do poder subjugam os violentos, mas aqui aparece o erro: a luita de classes não termina ai, devem acordar sair definitivamente do jogo (chegar ao comunismo)!
E tudo parece estar a correr bem, mas o pacifismo da número 5, tendo pena e piedade do fascista 6, simboliza a tentativa fatal da conciliação de classes, de pensar que a burguesia pode ser educada para ser boa gente e aceitar a igualdade e o fim do jogo explorador. Obviamente falha. A contrarrevolução vence e impõe-se novamente com violência.
As personagens 1, 2 e 3 são fundamentais. 2 e 3 representam o “novo ser humano”, cuja busca os soviéticos e os chineses já começaram na história recente. Têm uma ética superior, e mais ou menos consciência da necessidade de ultrapassar a divisão de classes: sair do jogo. Mas aparece 1, a quem ainda pode a ambição e a cobiça e o propósito de poder subir um andar; Parece que já não é só pola filha, é algo pessoal.
Finalmente, e agora fora do jogo, a verdadeira elite burguesa fala com 7, um guionista assalariado, quase um dos seus. Estamos na realidade, novamente sob a lógica capitalista: se der dinheiro, haverá 2ª temporada.