TERMODINÂMICA DA VIDA
Nesta cápsula analisamos qual é o sentido da vida orgánica na terra, qual a sua função, porqué é que está determinada pola segunda lei da termodinâmica e como a natureza e o cosmos cumprem esta lei desfazendo gradientes. Estudamos este tema apoiados nas ideias do livro de Dorion Sagan e Eric J. Schneider, Termodinâmica da Vida. (2005)
- A natureza aborrece os gradientes. Um gradiente não é mais do que uma diferença de temperatura, pressão ou concentração química (pode haver também gradientes energéticos, bioquímicos, gravitacionais, eletromagnéticos…). A aversão da natureza polos gradientes faz que estes tendam espontaneamente a desaparecer, pola ação de sistemas complexos que aceleram a sua disgregação. O conceito de gradientes que se desfam resume o que é a ciência da termodinâmica, e explica porquê é que surgem processos e estruturas complexas, incluída a vida.
- Porque é que existe a vida? A vida na terra tem uma função geral, do ponto de vista científico. Igual que um tornado surge como forma de dissipar um gradiente de pressão barométrica na atmosfera, a vida tem um propósito similar e mais duradouro: desfazer o gradiente estelar solar, a diferença de temperatura e energia entre o sol quente e o espaço frio. Aparecem formas de vida complexas e inteligentes porque a vida é um sistema complexo e cíclico longo que tem como função dissipar de forma o mais eficiente possível esse gradiente. A função original e básico da vida é reduzir um gradiente medio ambiental.
- Relacionemos agora a Termodinâmica da vida com o socialismo como modo de produção e sistema político-económico:
O ciclo termodinâmico na terra seria este: um organismo recebe energia do sol, que lhe serve internamente para manter a sua organização estável (entropia negativa ou ordem) e elimina essa energia em forma de trabalho, resíduos e calor (suor).
Este suor é energia que já não é reutilizável, o calor perde-se e dessa forma dissipa a energia muito potente do sol de forma eficiente e transforma-a em energia mais degradada, e fai-no como um isqueiro.
Os resíduos são reutilizáveis por outros organismos e repetem o ciclo.
O balanço total é uma estrutura estável de organismos (de baixa entropia, muito ordem) mas que não contradiz a segunda lei da termodinâmica, porque em geral todo o processo vai favorecendo a morte térmica a longo prazo, o esfriamento do universo, a máxima entropia e o equilíbrio.
Se a terra e os organismos da terra não cumprissem essa função, a energia solar continuaria sendo forte e não dissipada, o gradiente seria maior e o espaço estaria mais longe do equilíbrio termodinâmico total do universo. - Por esta razão faz todo o sentido dizer que “as espécies que aforram energia são as que sobrevivem”. Porque são espécies que realizam melhor essa função de dissipado de energia.
E por isso o avanço cara o socialismo e finalmente o comunismo supõe avançar cara uma forma mais apta e mais eficiente no consumo e dissipado de energia do que a anarquia produtiva capitalista.
Porque esse “efeito isqueiro” (ir dissipando pouco a pouco e de forma eficiente a energia solar) vai muito mais a favor da segunda lei da termodinâmica. - A postura equidistante que diz que qualquer organização (capitalista ou socialista) cria ordem, e qualquer ordem vai contra a segunda lei da termodinâmica e que portanto é mais fácil que seja destruído do que mantido no tempo… erra nesse ponto: em que não vê que o propósito final do socialismo/comunismo é sermos mais eficientes, mais ecológicos, dissipar melhor a energia.
Afinal o socialismo seria essa forma de sermos mais “aforradores” de energia.
É o que nos convém como espécie (se o vemos de forma antropocêntrica) mas é também o que lhe convém ao planeta e ao universo, se o propósito da vida é dissipar melhor o gradiente solar. Sobre este assunto temos neste mesmo blogue este artigo mais detalhado chamado Socialismo e Termodinâmica (II). - Os sistemas biológicos de crescimento rápido têm mais capacidade de destruição rápida de gradientes, dissipação e produção de entropia, mas são menos duradouros porque tendem a esgotar mais rapidamente os seus próprios recursos. Os sistemas de crescimento lento, perdem essa capacidade de queimar rápido os gradientes, mas ganham em longevidade e astúcia, satisfazem à natureza duma forma mais duradoura e eficiente. Essa satisfação da necessidade de desfazer gradientes que tem a natureza, satisfeita de forma estável e duradoura é o comunismo.
- Os processos ecológicos (ecossistemas) são impulsados pola entrada dum fluxo de energia desde a fonte solar até os sumidouros de detritus térmicos (calor) e químicos (resíduos). Os primeiros produtores primários (autótrofos) fixam o 1% da energia que incide sobre eles. Os herbívoros (de insectos a cervos) consomem autótrofos, e são consumidos por carnívoros, que à sua vez são consumidos por outros carnívoros. Cada vez que se sobe de nível na pirâmide trófica se perde um 80-90% de energia em forma de calor (entropia). Quando a energia sobe quatro ou cinco níveis tróficos, fica pouco da energia inicial, por isso é chamada de “pirâmide trófica” porque requere de muitos organismos na base do sistema para sustentar uns poucos no topo. É por isso que não há mais de cinco ou seis níveis, pola portagem metabólica que impõe a segunda lei da termodinâmica, a ineficiência na transferência de energia. Esta é a razão que esgrime Paul Colinvaux no seu livro Porque é que são escassas as feras? (1978), a perda sequencial de energia limita o número de espécies predadoras de ordem superior. O modelo reflete perda de energia, cumpre a segunda lei da termodinâmica; há menos espécies no nível superior (carnívoros -heterótrofos-) pois conservam menos energia, fica muito pouca da energia solar inicial. O gradiente fica consumido.
- O tempo de residência da energia num ecossistema, desde que chegam os fotões até que se dissipam também é um sinal de madurez do sistema. Tempos de residência curtos correspondem a ecossistemas jovens e imaturos. Se não estiver submetido a um stress (por exemplo um verquido nuclear, um vulcão…) um ecossistema segue um curso natural cara a sua madurez, o seu crescimento se retarda, e a eficiência redutora de gradientes aumentará com o passo do tempo. Um sucesso imprevisto (um incêndio grande, uma contaminação) implica uma volta atrás no ecossistema, uma volta a um momento anterior como quando era mais jovem, mas sempre regenera bem. Um ecossistema funciona como uma criança e adolescente, a essa idade precisa mais comida e tem um crescimento mais rápido e logo vira num adulto mais organizado e eficiente energeticamente. Há mudança dialética, evolução, num ecossistema. Quanto mais maduro, maior diversidade, maior complexidade, maior a distância temporal entre a captação de fotões energéticos e o seu dissipado, e maior eficiência na degradação.
- Apenas um 1% da energia solar que incide sobre uma planta converte-se em matéria viva. O outro 99% ou bem se reflete novamente ao espaço ou bem emite-se em forma de calor de baixa qualidade. Mas esse 1% vale muito, os herbívoros comem as plantas e as bactérias consomem as suas fezes até que o gradiente solar fica reduzido o máximo possível. Primeiro a degradação autotrófica (plantas, algas, bactérias fotossintéticas) e depois os processos heterotróficos (animais e descomponhedores) esprememos até a última gota os produtos de baixa entropia derivados da radiação solar incidente na terra.
- A mudança e evolução dum ecossistema, por exemplo a sucessão que vai dum prado a um bosque provoca por um lado que a energia total processada e a biomassa total aumentem, mas a relação produção-biomassa diminui porque os estados sucessionais dos ecossistemas tardios e maduros requerem menos alimento e energia para manter 1 unidade de biomassa. Os ecossistemas maduros são termodinamicamente mais eficientes do que os seus predecessores. A taxa de produção de biomassa dum ecossistema (assim como um organismo, o ser humano) mais maduro mostra que requer menos alimento ou energia para manter uma unidade de biomassa. Mesmo assim, a energia total, a biomassa total e a entropia aumentam durante a sucessão dum ecossistema (e o mesmo com o indivíduo adulto a respeito de em criança). Igualmente, os níveis tróficos maiores (carnívoros, heterótrofos) são mais eficientes dissipando energia e reduzindo o gradiente. Emitem calor de mais qualidade. Igualmente, é difícil superar cinco ou seis níveis tróficos porque a energia transferida dum para outro cada vez é menor (paga-se o imposto da entropia quando se sobe de nível). Mas a eficiência é maior.
- Estes sistemas mais maduros e duradouros têm também mais diversidade biológica (e nichos biológicos mais pequenos entre espécies), ciclos vitais mais longos, e fechados porque reciclam toda a energia sem perder nada para fora (como fam os ecossistemas mais novos).
- Estes ecossistemas mostram também alta taxa de interconectividade, o qual, como nos mercados, pode ser um perigo, qualquer sucesso grave é perigoso para a integridade do sistema.
- A analogia com o corpo humano também é total: Quando temos febre, aumento de temperatura, aceleramos o metabolismo como forma de reação a uma situação de stress, e estamos aumentando a entropia. Entramos em doença, em risco, é uma aceleração insustentável porque perdemos a capacidade de manter os modos duradouros e superiores de redução de gradientes, mais estáveis próprios dum adulto sano e também dum ecossistema maduro. Num corpo enfermo a redução de gradientes bioquímicos acelera-se temporalmente, mas de forma insustentável no tempo, é um reflexo da incapacidade de manter os modos mais superiores e eficientes de redução de gradientes do organismo adulto sano. A febre é uma produção de entropia temporalmente incrementada, uma aceleração anómala do nosso organismo (respondemos assim perante um tóxico, doença e qualquer alteração anormal). Os organismos que operam na sua zona de conforto não maximizam tanto a produção de entropia e calor como a sua capacidade de continuar fazendo-o. A biologia caminha sobre uma delgada linha entre a redução de gradientes e a sobrevivência.
- Nem queimar-se (excesso de comida ou exercício) nem apagar-se, este é o mandato ao que obedece a vida, uma espécie de lume genético. Os organismos conservam os seus recursos para preservar a longo prazo a capacidade redutora de gradientes da que dependem. Instalam-se num ESTADO ESTACIONÁRIO e canalizam a energia disponível cara o mantimento da vida.
- Gráfico das temperaturas e da degradação do gradiente solar. Pag. 211
- Quanto mais maduro é um ecossistema mais energia solar degrada, e mais reduz o gradiente de temperatura. As selvas são mais frescas do que as savanas ou os desertos. O ecossistema planetário (biosfera) extrai exergia (parte de energia disponível para produzir trabalho útil) da radiação solar incidente e ao tempo reduz o gradiente entre os sistemas vivos ligados à terra e o espaço exterior a 2,7 K (a temperatura residual do universo).
- Na foto de acima, os fotões da energia solar refletem-se e voltam novamente ao espaço. No de abaixo, dissipam-se reduzindo o gradiente e favorecendo a entropia.
- A biodiversidade é maior nos ecossistemas onde há maior estabilidade médio ambiental. E quanto maior é a biodiversidade de espécies, maior captação de energia e maior dissipação e degradação dos gradientes. Em ambientes mais estáveis, por exemplo mar adentro, há mais espécies, onde a temperatura não varia mais duma décima de grau durante décadas, longe da luz, da produção fotossintética de alimento; a nossa intuição de que a diversidade é maior perto da costa, onde há mais luz, é errada, porque do que depende realmente é da estabilidade que tem o sistema. Igualmente, as florestas húmidas no equador, não mudam muito dum dia para outro ou duma estação para outra, também são estáveis sem perturbação. Esta estabilidade permite que as espécies se diversifiquem enormemente. Embora nas profundidades oceânicas não recebam muita luz, recebem uma chuva constante de plâncton caído desde a superfície que é o que subministra energia potencial suficiente para as espécies do fundo marinho.
- A maior estabilidade como fator determinante para favorecer a redução de gradientes correlaciona com o modo de produção e o sistema económico duma sociedade, como veremos no segundo artigo desta série.
- Além da estabilidade, outros fatores afetam à diversidade, por exemplo, existe também uma relação entre o tamanho dos organismos e a diversidade a escala regional. Abundam as espécies de tamanho reduzido, enquanto as grandes (baleias, elefantes, luras gigantes…) são escassas. Por várias razões: uma é a pirâmide trófica, nos degraus mais baixos há imensidade de seres pequenos, e os que se alimentam deles são necessariamente menos, mas outra mais importante é que a alimentação é um processo entrópico, ineficiente, que deixa cada vez menos calorias disponíveis para as espécies que ocupam os degraus superiores e mais altos da pirâmide trófica.
- A evolução vem determinada pola segunda lei da termodinâmica. O incremento da diversidade e do número de espécies deriva da maior disponibilidade de energia. O imperativo da termodinâmica proporciona aos indivíduos, como sistemas abertos (recebem e canalizam ao exterior fluxos de energia e matéria) um incentivo para organizar-se em entidades de ordem superior, energeticamente mais eficientes. A seleção natural exerce-se não apenas sobre os indivíduos reprodutores, mas também sobre comunidades, como as células de Bénard, que se auto-organizam espontaneamente para servir à natureza no seu imperativo de desfazer gradientes. A variação oferece novas possibilidades e a seleção poda-as para servir melhor à segunda lei da termodinâmica (dissipar energia da forma mais eficiente possível com os materiais disponíveis). Antes de que intervenha a seleção natural, a segunda lei “seleciona” de entre as distintas opções cinéticas, termodinâmicas e químicas, aqueles sistemas mais capazes de reduzir gradientes, dadas certas condições. A segunda lei impulsa a evolução das espécies. A medida que a evolução avança, a vida “inventa” formas novas e melhores de degradar a energia. Não só foi aumentando o número de espécies, senão que as sobreviventes viraram mais eficientes na redução de gradientes; por exemplo, a eficiência metabólica aumenta claramente dos répteis aos mamíferos, cuja adquisição evolutiva dum diafragma muscular permite-lhes inalar mais ar oxigenado. Um pardal ou um colibri têm um metabolismo específico maior do que os vermes, moluscos e répteis.
- Os organismos comportam-se como os ecossistemas. Degradam energia com uma mesma pauta: de forma acelerada primeiro e logo mais estável e mais eficiente quando são adultos. Parece um patrão termodinâmico. Que funciona igual a diferentes escalas. Os organismos parecem ser ecologia em pequeno, parece ser que os organismos individuais comportam-se com pautas espacial e temporalmente “congeladas” de processos ecológicos, desenvolvem as mesmas pautas de crescimento inicial acelerado, uma fase inicial rápida e derivando a uma trama final mais eficiente. Os sistemas que obtêm mais energia e a investem de forma mais eficiente tendem a ser menos propensos a ser descartados polo processo de seleção. A seleção natural favorece os sistemas expertos em gestão eficiente de fluxos termodinâmicos, sejam estes sistemas organismos, ecossistemas ou biosferas, todos parecem aumentar a sua diversidade até atingir um valor ótimo local de fluxo energético. Cada nova espécie representa uma nova bifurcação bioenergética, como uma nova folha da árvore da vida.
- Na vida e na formação de estruturas complexas não influi só a evolução natural, mas também o fluxo de energia. Não é só geneticamente de “abaixo a acima” mas também termodinamicamente “de acima a abaixo”. O incremento natural da complexidade produz-se também espontaneamente a cavalo dum fluxo de energia. Estes processos produzem-se de forma ancestral para a redução de gradientes termodinâmicos.
- Os sistemas abertos Fora do Equilíbrio Termodinâmico residem a certa distancia do equilíbrio, e produzem entropia (dissipação de calor e energia menos útil) que o sistema exporta ao entorno, e simultaneamente mantêm uma estrutura interna com entropia baixa dentro do sistema (ordem interno) a expensas da desordem fora do sistema. A entropia importada é menor do que a exportada, por exemplo: uma ameba tem um nível de organização interna maior do que o seu entorno, para manter esse estado organizado (para manter-se com vida) deve importar menos entropia (desordem) do que produz. A sua organização interna não surge do nada, é pagada por um incremento da entropia do “universo” circundante. Os sistemas dissipativos organizados existem a expensas dum desordem aumentado fora do sistema. Longe de ser violada, a segunda lei impulsa a organização da ameba.
- Se se impõe um gradiente a um sistema e as condições cinéticas o permitem surgem estruturas e processos organizativos autocatalíticos e auto-reforçantes, incorporando matéria e energia, como os furacões ou os sistemas vivos.
- Os processos biológicos demoram a dissipação imediata da energia, armazenam material e energia, reciclagem e estrutura. As estruturas autocatalíticas dissipativas mais exitosas degradam os gradientes disponíveis a fim de manter a sua capacidade degradadora de gradientes. Tendem a demorar a dissipação imediata de energia produzindo gradientes internos que lhes conferem independência a respeito às instabilidades energéticas do entorno (por exemplo o gradiente bioquímico da ATP e produção de energia das células, que veremos em outro artigo desta série). As espécies que aforram (armazenam) energia (demoram a sua dissipação) são as que sobrevivem (são as que conseguem manter mais tempo a sua capacidade degradadora de gradientes), e demoram o dissipado imediato é através da elaboração de novas estruturas que restringem esse dissipado imediato (armazém de energia) e diversificando processos.
- A vida e outros sistemas complexos não só não contradizem a segunda lei, senão que existem em virtude dela. Ainda mais: a vida e outros sistemas complexos reduzem gradientes preexistentes de jeito mais efetivo do que em ausência de aqueles.
Bibliografia:
SCHNEIDER, ERIC D. e SAGAN, DORION: Into the cool. Energy flow, Thermodinamics and Life. Termodinámica de la vida. Barcelona 2005.
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